O Dilema dos Jovens (Parte 4)
Purushatraya Swami

Daremos aqui, extratos de depoimentos de alguns participantes do projeto de Goura Vrindavana:

Setukara Dasa, 51, presidente da comunidade. (Setukara formou-se em engenharia mecânica, e fez pós graduação em engenharia nuclear. Por concurso, entrou para os quadros da antiga Nuclem (atualmente Eletronuclear) durante a implantação das usinas nucleares em Angra dos Reis. Largou uma cobiçada carreira para dedicar-se integralmente ao projeto alternativo de Goura Vrindavana.)

* Já tiveram devotos que vieram ao nosso projeto e disseram: “Aqui não, é muito arriscado...” Outra coisa que de vez em quando eu ouço: “Gostei muito do projeto, mas que garantia posso ter de que isso vai dar certo?” Minha resposta sempre é: “Nenhuma. Não temos nenhuma garantia. Estamos aceitando esse risco e queremos pessoas que estejam dispostas a correr esse risco também.” Na verdade, estamos convencidos de que vale a pena correr esse risco. Quem está aqui, deixou para trás situações muito mais garantidas materialmente, mas corre esse risco com satisfação e confiança. Embora com todos os “riscos” (como se não houvesse riscos em outros lugares e situações...), consideramos que o modelo alternativo é a melhor opção do jovem para crescer e evoluir.

* Nosso país, com todos os seus probleminhas e deficiências, é o lugar ideal para esse tipo de projeto. Em países economicamente mais avançados, tudo já está feito; não existe esse “pioneirismo” que aqui podemos experimentar. A situação é muito mais complicada que aqui. Existem muito mais restrições legais; os investimentos são muitíssimo mais altos. Não existe essa beleza natural e um clima favorável durante todo o ano. A mão de obra aqui não é tão cara, e muitas outras vantagens. Temos que aproveitar esse potencial inigualável. Quando escutamos que alguns devotos saem do país, seduzidos por euros e dólares, mas têm que se sujeitar a sub-empregos ou trabalhos indignos só para se manterem, isso nos soa como aborígines trocando suas valiosas riquezas naturais por espelhinhos...

* O mais importante de tudo é moldar a vida no modo da bondade. Isso implica em saber lidar e equilibrar os modos inferiores—paixão e ignorância. A menos que estejamos situados no modo da bondade, a vida espiritual pessoal será um fracasso. Portanto, aqueles que assumiram a responsabilidade pelo seu avanço espiritual devem esforçar-se para moldarem suas vidas no modo da bondade. A maioria contenta-se com a desculpa de que já estão tão envolvidos que não dá mais para mudar. Outros, por outro lado, querem largar tudo pensando que isso resolverá todos seus problemas materiais. Nesse caso, só mudam o foco dos problemas: antes tinham problemas no sistema e passam a ter problemas dentro da comunidade. Dentro da comunidade existem também muitas dificuldades, mas deve-se estar preparado para lutar. Luta é o que não falta. Mas é um luta compensadora. Pior é gastar a vida numa luta inglória.

O modo da bondade nos dá visão e clareza para definirmos o propósito de nossa vida. Alem disso, é a única maneira de administrar corretamente todos os setores da vida: saúde, alimentação, estado emocional, maturidade psíquica, relacionamentos, educação dos dependentes, capacitação profissional e, também, a vida prática do dia-a-dia. Na paixão e ignorância a pessoa não pode fazer idéia o que sua vida vai resultar. Geralmente o resultado é um desastre.

* Estive conversando com o meu sobrinho que, como outros jovens de sua idade, tiveram sua educação no Gurukula. Por causa de certas deficiências nesse período, alguns jovens colocam a culpa no movimento pela condição em que se encontram. Então, eu lhe disse: “Reconhecemos que tiveram problemas que podem ter afetado, de uma forma ou outra, a vida de vocês, mas, agora, já passado dos vinte anos de idade, o que você está fazendo para resolver os seus problemas e melhorar a sua vida? Até quando vai ficar colocando a culpa nos outros para justificar suas fraquezas. Isso é muito fácil. Difícil é tomar as rédeas da própria vida e lutar para se aperfeiçoar. Na sua idade a pessoa já está capacitada para assumir a responsabilidade pela própria vida.

Agora a responsabilidade é totalmente sua. Não adianta mais colocar a culpa nos outros. Ao invés de alimentar uma mentalidade medíocre e irresponsável de “curtição”, ociosidade, futilidades e rebeldia (em outras palavras, prolongar a adolescência), é a hora de ter uma postura séria diante da vida, fortalecer o caráter e preparar-se para ter uma vida produtiva e auspiciosa. Se não tomares uma atitude positiva agora, serás certamente uma pessoa derrotada e frustrada. Seu futuro está em suas mãos.”

Bhaktin Valéria, 38.

* Formei-me em Biologia na Federal do Paraná (UFPR). Fiz mestrado em “Ecologia” na UNICAMP e doutorado em “Meio Ambiente e Desenvolvimento” também na UFPR. Completei esses estudos em treze anos intensivos. Com todos esses títulos nas mãos, tive várias oportunidades de trabalho, tanto no magistério quanto em empresas. Acontece que não obtive satisfação na carreira. Era como faltasse alguma coisa. Toda minha bagagem era exclusivamente teórica. Nunca fiz nada prático. Tinha sempre a sensação de que faltava algo. Tudo era muito vazio. Aqui em Goura Vrindavana, estou me encontrando realmente. Estou experimentando e aprendendo muitas coisas. Vejo que posso dar uma contribuição efetiva a esse projeto, tão rico e complexo. Sinto-me completamente satisfeita. A gente sente que está construindo um projeto. Não é a mesma coisa que se sente num emprego, onde se é uma mera peça ou engrenagem, que pode ser facilmente substituída. Aqui não, é um projeto de vida.

* Todos os acadêmicos (que têm pós-graduação, mestrado ou doutorado) são cadastrados no CNPQ, importante órgão do governo. O currículo de cada um é publicado num banco de dados. Isso se chama curriculum lattes. Até recentemente, não conseguia preencher com precisão meu currículo, pois em certos quesitos, como área de atuação e linha de pesquisa de interesse, não conseguia propriamente me achar. Agora eu preenchi tudo com a informação atualizada de que estou atuando no projeto de Goura Vrindavana, e finalmente consegui me achar. Aqui em Goura Vrindavana pude perceber claramente qual é a minha área de atuação e meu verdadeiro interesse.

* Fui professora universitária e passava para os alunos somente a teoria que havia aprendido. O ensino nas universidades é assim. Tudo teórico. Os professores só têm teorias para passarem para os alunos e esse modelo tende a se perpetuar, pois os alunos do presente serão os futuros professores. Considero que a linha seguida em Goura Vrindávana, em que se enfatiza o desenvolvimento no jovem do “espírito empreendedor”, muito mais eficaz e poderosa do que toneladas de conhecimento teórico ensinados nas faculdades. A aprendizagem no campo é muito mais intensa e útil do que a aprendizagem teórica.

Vanamali Dasa, 21.

* Assim que acabei o segundo grau, vim para Goura Vrindavana, não sem forte pressão por parte de meus pais para que fosse cursar uma universidade. Essa minha decisão, aparentemente imatura, foi na verdade a coisa mais sensata que poderia ter feito. Sempre estudei nos melhores colégios. No meu colégio, um colégio de Patricinhas e Mauricinhos, pude ver claramente o que passa na cabeça do pessoal. O que pode se esperar da cabeça de jovens de dezessete ou dezoito anos? É pura confusão. Ninguém sabe realmente o que quer na vida. Imagine! Com essa idade tem-se que escolher a carreira para toda vida! Nessa fase o pessoal não consegue ter uma visão clara das coisas. Alimentam a maior ilusão de que, se seguir o esquema padrão, tudo vai sair perfeito: completar o segundo grau num bom colégio; depois, entrar em qualquer faculdade; ao se formar, conseguir um ótimo emprego com alto salário, para poder curtir ilimitadamente, comprar o que quiser, viajar pelo mundo, etc. É só “viagens”... Todo jovem tem essa ilusão de que, se seguir esse caminho convencional, vou chegar lá! Ninguém consegue avaliar realmente a realidade da vida. O que acontece é que ao longo do caminho, que é bastante longo, o pessoal só pensa em curtir. Poucos são aqueles que se dedicam seriamente. A maioria vai “empurrando com a barriga” e não resulta em nada. Eu tenho exemplos, mesmo na minha família, de jovens que fizeram tudo “certinho”, mas não conseguiram nada. Todo sonho foi por água abaixo. Conseguiram, a duras penas, um emprego em que tiveram que sujeitar a um salário ridículo. Imagine o drama desses jovens que estavam acostumados a uma vida de mordomias à custa dos pais... Se eu não tivesse vindo para cá (Goura Vrindavana) seria mais um jovem perdido e bobão em Copacabana... Fui salvo!!

Goura Vrindavana Devi Dasi, 28

* A cada ano que passa, minha experiência em Goura Vrindavana torna-se mais completa, tanto do ponto de vista espiritual, quanto profissional, emocional e material. Acredito que o desenvolvimento humano, para ser integral e são, deve abranger todos esses aspectos. Desde que fui morar na comunidade, em 2001, experimentei como é importante se integrar no serviço "ao todo" , sem ter que necessariamente buscar fora da comunidade, de maneira independente, uma estrutura material para se viver. Esse é o ideal da vida comunitária em consciência de Krishna. Todos os membros, sejam monges ou famílias, devem trabalhar em conjunto para a missão de Srila Prabhupada e terem sua estrutura material advinda desse trabalho. O serviço devocional é completo, ele traz força e sentido para a vida, e nos deixa sob a proteção de Krishna. A estrutura e organização da fazenda, liderada por Setukara Prabhu, proporciona oportunidades muito enriquecedoras para o amadurecimento dos devotos. Aprendemos a fazer de tudo, mas, ao mesmo tempo, nos especializamos em determinada atividade e assumimos as responsabilidades desse setor. As atividades simples são tão valorizadas quanto as atividades administrativas, sendo o dia a dia sempre útil e produtivo. Vejo por aí muitas pessoas que se sentem inseguras quanto ao seu futuro profissional, mas em Goura esse desenvolvimento é constante e garantido. Atividades da fabricação e comercialização da banana passa, por exemplo, que é a atividade produtiva principal da comunidade, nos capacita em diferentes áreas de conhecimento, como administração, gerência de produção, finanças, contabilidade, linha de montagem, design gráfico, informática, marketing, comercialização, e por aí vai. As possibilidades são inúmeras! O mais importante é que, no dia-a-dia, estamos juntos construindo essa estrutura. Tudo tem que ser criado. Nada está definitivamente pronto. A própria prática, integração e criatividade do grupo fomentam o conhecimento que se adquire. Em outras áreas da fazenda, a mesma coisa ocorre: na agricultura , no trabalho com os animais, nas obras, na recepção e hospedagem, na administração dos funcionários, etc. Outra coisa importante que vejo é que as potencialidades dos devotos são sempre incentivadas. Mesmo tendo-me graduado numa universidade conceituada, posso dizer com segurança que minha formação profissional e intelectual começou realmente na fazenda, e está em constante desenvolvimento. Para um jovem, é uma oportunidade de ouro ter uma vivência como essa. O conhecimento que adquirimos em Goura não é teórico e nem está preso a nenhum modelo estereotipado, desta ou daquela linha ou tendência acadêmica. É um conhecimento integral e natural, que verdadeiramente se constrói com a prática e que, depois de interiorizado, passa a ser de nossa propriedade. No aspecto espiritual, essa atmosfera dinâmica também está presente. Temos uma super biblioteca de Filosofia e Teologia, onde os devotos podem se debruçar no estudo e na pesquisa e, com isso, formar sólida estrutura intelectual. Além disso, o ambiente rural e o contato com a natureza constituem constantes estímulos na compreensão de Krishna Bhakti. Como amar um menino travesso e vaqueiro, que rouba manteiga batida fresca? Como apreciar a lila dos habitantes de Vrindavana, sempre absortos em seus afazeres simples e rurais? Sem dúvida, a experiência da vida no campo em serviço devocional é uma bênção especial para um devoto de Vrajendra-nandana Sri Krishna! Para concluir, gostaria de ressaltar que em Goura o convívio entre os devotos é muito bom, temos fortes laços de amizade e confiança uns com os outros. Os momentos de dificuldade existem, mas são enfrentados com cooperação e união. Todos se preocupam com o bem estar individual de cada um. Nesse ambiente maravilhoso nos sentimos felizes e entusiasmados com a vida.

Gopinatha Das, 25

* Sempre tive uma relação muito forte com o campo. Nunca me a costumei à vida na cidade. Isso foi um dos motivos por ter procurado Goura Vrindavana. No meu período de vida na cidade, uma das coisas que mais me causou frustração foram os relacionamentos. Eu criei uma imagem de que o relacionamento com os pais, irmãos, parentes, amigos, conhecidos e pessoas em geral teriam um caráter, digamos assim, “divinos”. Eu queria que tudo fosse perfeito e ideal. Mas, no decorrer do tempo pude entender que haviam muitos interesses e muita hipocrisia nos relacionamentos. Isso me causou muita dor e decepção. Na verdade, eu também tinha meus interesses... O caso é que fui me frustrando. Quando conheci Goura Vrindavana, tomei a decisão de colocar Deus como o centro de minha vida. Antes o centro de minha vida eram minhas próprias idéias e relacionamentos. Encontrei no projeto de Goura Vrindavana uma nova forma de viver. Uma mudança radical ocorreu em minha vida. Aquilo que tinha sido minha frustração, os relacionamentos, eu encontrei em Goura Vrindavana em sua forma mais perfeita. Lá eu não escolhi minhas amizades. Simplesmente cheguei e já as encontrei prontas—os mesmos anseios, as mesmas metas de vida. Tudo, então, passou a fluir naturalmente. Sem competitividade, sem falso ego. Mesmo entre as diferentes atividades da fazenda—agricultura, animais, produção comercial, administração, etc.—cada uma depende da outra e cada uma contribui para o todo. Lá fora, estaria trabalhando para mim e outros estariam ganhando dinheiro com meu trabalho. Aqui eu trabalho para a comunidade. Trabalho para Deus, que é o novo paradigma em minha vida. Em Porto Alegre, eu estava cursando Administração e Comércio Internacional. Na faculdade, o discurso girava sempre em torno de “qualidade de vida” e “relacionamentos interdependentes”. Tudo na teoria. Aqui em Goura Vrindavana essas coisas acontecem na prática. Estava no último ano do curso. Faltava um semestre para terminar. Decidi não terminar o curso na faculdade. Não preciso. A experiência que estou tendo atualmente, gerenciando a fábrica de banana passa, é dez vezes superior a qualquer experiência que poderia ter lá fora. É uma atividade bastante complexa. O que foi mais difícil para mim foi lidar com lado emocional dos funcionários. Tive seriamente que reciclar o meu emocional também. Uma experiência totalmente nova para mim. Não digo que a faculdade e os estágios que fiz não tiveram validade. Tiveram e têm, mas minha experiência atual é muitas vezes superior. Outra coisa que estou valorizando aqui é que agora eu quero me analisar muito bem, aperfeiçoar-me e adquirir virtudes. Antes eu não dava a mínima importância a essas coisas. Aqui em Goura Vrindavana, o aspecto da Divindade está muito presente e isso faz com que eu me preocupe em aperfeiçoar-me cada vez mais.

Venu Gopal Das, 29

* Tive a oportunidade de estudar num ótimo colégio. Tive o tipo de educação acadêmica que visa exclusivamente fazer o estudante passar no vestibular. O estudante não é preparado para outras coisas. Por exemplo, sempre tive dificuldades de falar em público. Para mim, isso era um verdadeiro terror e sentia que isso travava meu desenvolvimento. Mas nunca tive nenhuma instrução para poder superar isso e me destravar. As matérias são dadas com um único intuito de se passar nos exames. Aos dezessete anos, tive que escolher um curso universitário para ser minha carreira e profissão por toda a vida. Logo me dei conta de que não estava preparado para fazer essa escolha, assim como a maioria dos jovens dessa idade. Ingressei no curso de engenharia química numa Universidade Federal. Tive uma tremenda decepção na vida universitária, principalmente no que diz respeito ao comportamento e à moralidade dos estudantes. Encontrei uma atmosfera completamente mundana. Entre meus colegas, de um lado estavam os “caretas”, o pessoal da cervejinha e caipirinha; do outro lado, o “pessoal da pesada”, das drogas. A coisa se resumia nisso: álcool, drogas e sexualidade, e as conversas, as mais fúteis possíveis. Não existe nas universidades nenhuma orientação para o aperfeiçoamento do caráter dos jovens, e o que dizer, do desenvolvimento da espiritualidade. O pessoal fica largado por conta de suas próprias mentes. A tendência é degradar-se. Estava cursando o primeiro ano da faculdade quando tive meu primeiro contato com os livros de Srila Prabhupada. Seus ensinamentos tocaram fundo no meu coração. Tranquei a faculdade e ingressei no movimento. Estou engajado no projeto de Goura Vrindavana desde 1999. Nos primeiros cinco anos, estive fazendo um trabalho externo, distribuindo livros nas ruas e coletando fundos para o projeto. Essa experiência de contato com o público foi muito importante para minha “destravação” e para romper com minha timidez. Minha mudança de vida de cidade para a vida no campo deveu-se à leitura do “Manifesto Alternativo”, ensaio de Purushatraya Swami. Anteriormente, não tinha tido nenhuma experiência de como viver dependendo da Natureza. Nada sabia sobre a vida rural, vida simples no campo, ciclos da Natureza, e o que dizer de ter botado a mão na terra. Tudo isso foram experiências muito enriquecedoras. Uma experiência marcante foi meu contato com os bovinos—como zelar e cuidar da vida de outros seres vivos e fazer com que humanos e não-humanos cooperem nos serviços no campo. Outra coisa que tenho experimentado é ver como Krishna faz arranjos para enriquecer a vida de seus devotos. Antes, não tinha nenhuma pré-qualificação em atividades rurais. Meu background era exclusivamente urbano. Na hora em que me interessei por esses assuntos, todo esse conhecimento veio até mim por diferentes fontes. Sempre aparece uma pessoa chave, na hora certa, que passa, de boa vontade, o conhecimento que estamos necessitando naquele momento. Essa experiência tem acontecido repetidamente aqui em Goura Vrindavana. É uma coisa meio mística... Ingressei no movimento há dez anos, com dezenove anos de idade. No início, meus pais ficaram super-apreensivos e preocupados. Qual será o futuro de nosso filho?... Ao passar dos anos, nossa relação foi melhorando cada vez mais, devido a que eles podiam ver que minha vida transformava-se para melhor, com o cultivo de bons hábitos e valores espirituais. O interessante foi que essa minha nova postura influenciou neles um fortalecimento de suas vidas religiosas. E assim eles passaram a valorizar mais a vida devotada a Deus. A vida alternativa força a pessoa a depender mais de Krishna—ter a confiança de que, havendo empenho e dedicação, Krishna vai suprir as necessidades. Nossa fé em Krishna fica assim fortalecida. Não vai ser o governo, nem a sociedade, nem uma empresa, nem a família que irá preencher nossa vida. O devoto passa a depender dos recursos que Krishna lhe oferece, através da terra, através das vacas...

Nityananda Dasa, 34

* Dias atrás, minha esposa fez uma observação que até então tinha passado despercebido para mim. Ela disse: “Pode-se dizer que você é um hare krishna autêntico...—entrou no movimento aos vinte anos, logo após ter terminado o segundo grau; como brahmacari, dedicou-se ao sankirtana (distribuição de livros) durante sete anos; atualmente está no ashrama de grhastha (vida familiar); vive numa comunidade rural do movimento; mantém a família com a venda de prasada (alimento vegetariano oferecido a Krishna); e dá aulas de Srimad Bhagavatam e Bhagavad-gita. Um hare-krishna integral...” Nesses treze anos de movimento, esse é o meu currículo. Realizo que minha trajetória dentro do movimento tem sido bastante bem sucedida, mesmo do ponto de vista prático e material. A questão da responsabilidade, por exemplo, eu aprendi isso bem cedo. Durante vários anos, bem jovem ainda, tinha que me esforçar, junto de outros colegas, para arranjar fundos para pagar as despesas e o aluguel do templo. Isso fez com que, bem cedo, adquirisse o senso de responsabilidade. Quanto ao desenvolvimento profissional, vejamos o seguinte: Por anos, eu vendi livros e incensos nos ônibus dos subúrbios do Rio, e agora, como representante comercial da fábrica de banana passa de nossa comunidade, estou fechando contratos com a mais poderosa rede de supermercados do país. Tenho também participado de licitações que exigem alto grau de profissionalismo, junto à maior rede de lojas de produtos naturais do país. Nosso produto é reconhecido, assim como nossa forma de comercialização. Fica evidente, que pude galgar um pequeno sucesso em minha vida profissional, dentro do movimento. Por permanecer dentro do movimento, não abdiquei de meu desenvolvimento profissional e pessoal. Nunca fui à faculdade. Meu caminho é eminentemente alternativo. Mesmo assim, tenho experimentado, inúmeras vezes, que ao trocar idéias com pessoas graduadas em universidades, eu tenho também coisas relevantes para serem ditas e consideradas, seja em assuntos de filosofia, psicologia, literatura, gestão administrativa, espiritualidade, etc. Muitas vezes me vejo numa situação de estar aconselhando outras pessoas com graus acadêmicos bem superiores ao meu, em diferentes ramos de conhecimento. Eu, pessoalmente, aprendi muito com duas pessoas: Purushatraya Swami e Setukara Prabhu, que têm preocupação com a formação dos devotos jovens. Minha conclusão é que, tirando por mim, o movimento tem sido uma tremenda escola para formação do indivíduo. Mesmo quando existem alguns problemas institucionais, temos que aprender e amadurecer nossa personalidade com eles. Temos que impedir que nossa vida espiritual fique afetada por problemas de ordem material ou institucional. Só assim podemos tocar nossa missão para frente.

Palavras Finais

Um problema muito comum que os jovens enfrentam é que, devido ao apego natural, os pais querem sempre manter os filhos gravitando em torno do nucleo familiar. Isso tem o lado positivo e o lado negativo. O lado positivo é o sentimento de proteção e carinho que surge com o contato íntimo com aos entes queridos, mas o lado negativo é que tal envolvimento pode tolher o crescimento interior dos filhos e tender a um estado de acomodação e passividade. A menos que os pais sejam exemplos impecáveis de valores morais, espirituais, desapego, desenvoltura ao lidar com a vida prática e outras qualidades, e estejam instigando a todo instante uma postura proativa dos filhos, o envolvimento familiar muitas vezes retarda e interfere no crescimento do jovem. Este, por sua vez, deve ser o maior interessado em seu próprio desenvolvimento. Os pais ficam muito preocupados quando os filhos se afastam de casa, pois têm receios de que seus filhos sejam desviados para o mau caminho ou acabem tornando-se pessoas inúteis e sofram com isso. Isso é natural, pois o que mais existe são lugares que exercem influências prejudiciais e perversas. É raro encontrar um lugar seguro e que proporcione as melhores condições para o desenvolvimento dos jovens. Goura Vrindavana é um desses raros lugares. Por sua vez, o jovem deve ser uma pessoa responsável. A noção de responsabilidade está diretamente relacionada com a liberdade que a pessoa adquire. Quanto mais responsabilidade, mais liberdade pode ser conquistada. A liberdade tem que ser conquistada. Ela não vem “de mão beijada”, como se diz popularmente. Se o jovem quiser romper consciente e maduramente com esse forte condicionamento familiar e enfrentar a vida com suas próprias pernas, ele tem que ser uma pessoa integra e confiável. Caso contrário, será uma pessoa inútil e derrotada, e motivo de apreensão e desgosto para os pais.

A separação física do nucleo familiar não significa descaso, negligencia ou desconsideração. O vínculo permanece e pode, inclusive tornar-se muito mais saudável e natural. Em nossa comunidade estamos sempre vivenciando isso. Por sua parte, os pais devem superar o apego sentimental piegas e compreender filosoficamente que cada ser tem sua individualidade e seu caminho pessoal. No inicio dessa ruptura, é natural um período de certas ansiedades, mas com o tempo isso passa e cada um passa a desempenhar com muito mais autenticidade a seu próprio papel nessa vida. Ao finalizar esse ensaio, quero conclamar aos jovens que cultivam dentro de si o mínimo que seja de apreciação pela vida natural e alternativa, que dêem essa chance para si mesmos—de terem uma experiência prática da vida dentro de um ashrama, numa comunidade rural. Acho importantíssimo terem essa experiência, para a própria avaliação e decisão do melhor caminho a tomar na vida. Normalmente esse caminho alternativo rural não é levado em consideração. Todas as opções ficam, em geral, no âmbito urbano, dentro dos padrões do sistema estabelecido. É um fato de que são pouquíssimas iniciativas comunitárias que tem dado certo no mundo. Nossa comunidade está tentando romper com esse tabu. Tenho viajado intensamente, dentro e fora do país, e vemos que nosso projeto de Paraty está posicionado na vanguarda mundial dessa postura alternativa. Isso tudo se deve a Srila Prabhupada, que deixou um legado de ensinamentos e instruções preciosíssimos para aqueles que querem dedicar-se a auto-realização. O importante é não desperdiçar essa oportunidade.

Hare Krishna!!


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